Entrevista a José Charters Monteiro e João Belo Rodeia, candidatos a Presidente do Conselho Directivo Nacional da Ordem dos Arquitectos – Eleições para o Triénio 2011-2013.
Entrevista a José Charters Monteiro
1 – O que o leva a candidatar-se e quais os objectivos principais da sua candidatura?
R – O principal motivo da nossa candidatura é a constatação da total incapacidade das últimas direcções da Ordem, e em particular da actual, para darem resposta às necessidades de uma classe profissional que hoje ronda os 18 000 arquitectos – que constituem um recurso do país em termos de conhecimento e de inovação – a que se somam anualmente mais cerca de 1000. Os principais objectivos da candidatura são pois a procura de soluções para a grave situação de sub-ocupação em que se encontra a profissão, com particular incidência nas gerações mais novas, mas também o combate à desregulamentação do mercado e do exercício da profissão na área de projecto levada a cabo nos últimos anos ante a total passividade e indiferença da actual Direcção da Ordem. Passividade que se estende à falta de intervenção, pública e propositiva, no tocante aos grandes problemas de ordenamento do território e das nossas cidades, privadas de uma Política Pública de Arquitectura, que afectam a nossa economia e qualidade de vida.
2 – Vivemos uma crise económica sem paralelo na nossa história. Como é que Ordem dos Arquitectos (OA) pode ajudar os profissionais a superarem da melhor forma esta época?
R – No nosso entender há um enorme trabalho de preparação e de apoio à classe em relação às exigências e responsabilidades inerentes ao alargamento progressivo do campo exclusivo de intervenção dos arquitectos à totalidade dos projectos de arquitectura, que o Decreto-Lei n.º31/2009, que revoga ao fim de dezenas de anos o D.L. 73/73, fixa para o final de 2014. Esse trabalho está totalmente por fazer. Dir-se-ia que a actual Direcção, publicado o D.L. 31/2009, deu a sua missão por concluída. Por outro lado é necessário apoiar com medidas concretas de enquadramento, formação e/ou certificação o alargamento dos campos do exercício da profissão a novas áreas, como a fiscalização e direcção de obras, a revisão de projecto, a certificação térmica e acústica, segurança contra incêndios, etc. Por outro lado é ainda necessário recuperar e aprofundar áreas disciplinares que pertencem à formação e à tradição do Arquitecto, como é o caso do urbanismo, do planeamento e do ordenamento do território e que têm sido progressivamente abandonadas.
Os arquitectos podem tornar-se ainda mais úteis à sociedade e, precisamente, em aguda crise económica e social.
Outro aspecto vital é a exigência ao Governo da reposição de tabelas de honorários, que a desatenção e incúria da actual direcção de OA deixou cair, tendo por consequência uma desregulação caótica da prestação de serviços, o que afecta a qualidade da arquitectura e a sua dimensão de interesse público. Com efeito há que referir que, ao contrário do que tem sido dito, as tabelas de honorários são permitidas na União Europeia desde que publicadas pelos Governos, como acontece na Alemanha e acontecia em Portugal até há 2 anos, pelo que não há desculpa para uma tal omissão. É também de grande importância uma intervenção activa na área dos concursos e da encomenda pública, como poderemos referir adiante.
3 – Acha pertinente e/ou apoia a criação de um sindicato dos arquitectos?
R – A situação laboral de uma boa parte dos arquitectos, em particular no que respeita às gerações mais novas, é de facto muito penalizante e desregulada, exigindo uma intervenção que não cabe, no entanto, nas atribuições da OA, a não ser que estejam em causa questões do foro disciplinar. Pensamos pois que faz cada vez mais sentido a existência de um sindicato de arquitectos que ajude a resolver a conflitualidade daí decorrente, a cuja criação não queremos nem nos devemos opor, estando perfeitamente disponíveis para apoiar e acompanhar, desde que essa iniciativa surja.
4 – A encomenda pública em Portugal está subjugada a interesses particulares. O que é que a Ordem pode e deve fazer para promover a igualdade de oportunidades e a livre concorrência entre arquitectos? Como avalia o passado recente desse ponto de vista?
R – A OA tem que desenvolver uma acção sistemática junto da Administração Central, Regional e Local no sentido de exigir o respeito pelas normas em vigor em relação à encomenda pública, o que ainda não foi feito. Por outro lado é indispensável exigir em sede própria a revisão de algumas disposições previstas no Código da Contratação Pública (C.C.P.) extremamente gravosas para o exercício profissional específico do arquitecto.
Consideramos ainda que é necessário trabalhar em soluções de concurso que sejam menos penalizadoras para as equipas, mais inovadoras nos resultados e operacionais para as entidades encomendadoras, do que as que actualmente se praticam em Portugal; por vezes, em fase de concurso, quase se pedem projectos de execução completos, com consequências muito negativas, em termos de amadurecimento das soluções e da própria sobrevivência das empresas e ateliers. A prática de concursos de concepção em duas fases, já experimentada entre nós, como existe na Alemanha e em outros países, é um bom exemplo, sem esquecer que a intervenção da OA nos concursos, através dos seus delegados cuja função deve ser dignificada, se destina fundamentalmente a garantir a livre concorrência e a igualdade de oportunidades e não a influenciar o júri neste ou naquele sentido. Por último pensamos que é necessário que os mais novos tenham efectivas condições de acesso aos concursos.
Quanto ao passado, a recente polémica em torno da Parque Escolar e as posições dúbias da Direcção da Ordem na pessoa do seu actual Presidente são suficientemente eloquentes acerca de uma prática e de processos totalmente contrários às normas por que se deve pautar a OA nesta matéria.
5 – Quais serão os objectivos políticos da Ordem depois da revogação do Decreto 73/73 e da entrada em vigor da Lei 31/2009?
R – Tal como já referi, os objectivos da Ordem, que são profissionais, centram-se por agora, fase à terrível crise que atravessamos, na procura de soluções para a grave situação de sub-ocupação em que se encontra a profissão, com particular incidência nas recém-chegadas gerações de arquitectos, a par do combate à desregulação do mercado e do exercício da profissão na área de projecto. E também na abertura da profissão a outras formas de exercício que não o projecto; e isso passa também por debates conjuntos com as faculdades de arquitectura no sentido de promover a aproximação da formação académica às necessidades do país e da profissão.
6 – A admissão à Ordem será alterada, ou irá manter-se como está?
R – É nosso entender que o processo de admissão à OA, tal como hoje existe, é contraproducente e em grande parte responsável pelo afastamento das gerações mais novas em relação à organização profissional. Deverá ser repensada quanto a critérios, conteúdos e objectivos, à luz do que foi a experiência destes 9 anos de aplicação do Regulamento em vigor, no sentido de, como é dito no nosso programa, o estágio "se tornar numa experiência enriquecedora de inserção profissional no mercado de trabalho" e não numa forma cómoda de fornecer mão-de-obra barata. Defendemos além disso que o estágio deve ser remunerado e acompanhado pela Ordem, quer através de mecanismos de controlo, como o plano e relatório de estágio, com tarefas e procedimentos a desempenhar obrigatoriamente, quer mediante visitas da OA aos locais de estágio, sempre que se revelar necessário.
7 – A maioria dos arquitectos tem hoje menos de 40 anos e exerce actividade em condições de grande precariedade, quando não mesmo sem qualquer remuneração. O que fará para emprestar dignidade à profissão e terminar com a exploração dos estagiários e jovens arquitectos?
R – As medidas que acima propomos poderão em grande parte melhorar o ambiente que actualmente se vive na profissão. A situação que refere tem sido teimosa e interesseiramente ignorada pela actual Direcção da OA que se recandidata como Lista A. Queremos proporcionar soluções com a participação das partes envolvidas.
8 – A Ordem não tem protagonismo público. Não é um actor relevante na cena política. Acha que esse é o perfil correcto ou entende que a vocação da AO é ter uma participação no debate público análogo às ordens dos médicos, engenheiros ou advogados?
R – Tem de facto havido um grande, um enorme deficit de intervenção por parte da OA, em particular nos últimos três anos. Foi desprestigiante e penoso ver por exemplo a total ausência de protagonismo da OA nos grandes debates que tiveram lugar no país acerca da localização do novo Aeroporto de Lisboa, ou sobre o TGV e as grandes redes de transporte, protagonizados em pleno pela Ordem dos Engenheiros por falta de comparência da Direcção da OA. E também sobre as grandes opções políticas para o território e as Cidades, sobre o estado e recuperação do património construído, mesmo o mais recente, sobre o desmesurado parque habitacional, sem compradores nem utilizadores. Como se os arquitectos não tivessem também uma palavra importante a dizer sobre estes temas, como se o território e o seu ordenamento tivessem definitivamente deixado de fazer parte da nossa prática profissional, reduzida apenas ao "objecto arquitectónico" e à sua narcisística exibição em mostras.
É evidente que a nossa posição é radicalmente diferente. Tal como defendemos no nosso programa, pretendemos "afirmar a posição da Ordem na discussão política e institucional em todas as áreas temáticas que envolvam a qualidade do ambiente construído e a prática profissional dos Arquitectos, intervindo junto da opinião pública, de forma activa e informada, no debate das grandes questões nacionais do desenvolvimento estratégico do País e do seu território."
9 – Defende a existência de uma formação contínua, ao longo da carreira, obrigatória para todos os arquitectos?
R – A formação contínua é indispensável para garantir a actualização de conhecimentos por parte dos profissionais em exercício e, assim, manter a qualidade da sua intervenção. Ela já é obrigatória em alguns países da UE e é também nossa intenção promovê-la de forma sistemática e planificada em colaboração com as secções regionais, embora e para já de forma não obrigatória. Uma tal formação tem no entanto que se pautar por elevados padrões de qualidade e se a OA não tiver condições para a fornecer, então o melhor será recorrer a entidades externas através de protocolos de colaboração.
10 – Defende a admissão a um colégio de especialidade da OA como condição necessária para o exercício de um acto próprio de urbanismo ou de arquitectura?
R – De forma nenhuma como condição necessária. Somos totalmente contra essa visão dos colégios de especialidade, que é aliás contrária ao Estatuto da OA. Ao contrário do que acontece noutras profissões, como os Médicos ou Engenheiros, a formação dos arquitectos é generalista e todos os arquitectos podem por isso praticar todos os actos próprios da profissão sem qualquer restrição. Assim, os colégios de especialidade devem ser fóruns, locais de debate em áreas específicas da profissão, ao mesmo tempo que podem ter importante função de aconselhamento da Direcção nessas áreas.
11-11-2010
José Charters Monteiro